Hoje, os fragmentos vêm da obra Tchau, de Lygia Bojunga, extraídos do Cap. 2, “Na beira do mar”. Nesta narrativa densa, é possível ouvir as vozes da sociedade contemporânea e fragmentada, marcada pela relatividade dos valores, pelo choque de ideias, pela desconfiança nas instituições, pela superficialidade das relações humanas. A autora apresenta aos jovens leitores o drama de uma família diante da separação, expondo os sentimentos decorrentes desse processo e a tentativa da menina Rebeca de equilibrar emoções infantis e maduras (demais para sua idade) dentro de si.
Na beira do mar - cap. 2
Atravessaram a rua, tiraram o sapato, entraram na areia. E foram andando pela beira do mar.
Rebeca a toda hora olhava pra trás pra ver o caminho que o pé ia marcando na areia.
E a Mãe olhando pro mar e mais nada.
(…)
Sentaram. Rebeca logo brincou de fazer castelos
-Lygia Bojunga
De repente a Mãe ficou de joelhos, agarrou as duas mãos da Rebeca e foi despejando a fala:
– Eu me apaixonei por um outro homem, Rebeca. Eu estou sentindo por ele uma coisa que nunca! Nunca eu tinha sentido antes. Quando eu conheci o teu pai eu fui gostando cada dia mais um pouco dele, me acostumando, ficando amiga, querendo bem. A gente construiu na calma um amor gostoso e foi feliz uma porção de anos. (…)
– O pai adora você! Você não pode…
-Lygia Bojunga
(…)
– Rebeca! Rebeca! Eu tô sem controle de mim mesma, como é que isso foi acontecer, Rebeca? Ele me disse que vai voltar pra terra dele e me levar junto com ele, eu disse logo eu não vou! Sabendo tão bem aqui dentro que não querendo, não podendo, não devendo, é só ele me levar que eu vou
-Lygia Bojunga
Rebeca ficou olhando pro castelo desmanchado
-Lygia Bojunga
A linguagem simples, coloquial, e a opção pelo discurso direto tornam a leitura ágil e as personagens, por meio dos diálogos, vão se revelando. As personagens são, dessa forma, construídas ao longo da narrativa.
Nesse sentido, algumas imagens se fazem relevantes e significativas: Rebeca é a menina que caminha descalça, olha para trás e registra suas pegadas na areia. Rebeca tem “os pés no chão” e olha constantemente para o rastro deixado, suas pegadas, como quem quer preservar o que é importante: o caminho, a sua história.
Enquanto isso, a mãe olha para o mar: tem o olhar distante, em algum ponto incerto. E os movimentos das ondas confundem-se com a oscilação de suas emoções: razão e desejo.
Rebeca constrói castelos de areia, onde deposita sonhos de criança, habitados por príncipes e princesas. O castelo de areia, símbolo de segurança e proteção, desaba após a mãe confessar seu amor por outro homem, curiosamente, um estrangeiro, numa representação “daquele que veio de fora”, e que não tem muito envolvimento.
Assim, a obra explora imagens na representação dos sentimentos contrastantes das personagens. Lygia Bojunga não traz respostas, mas provoca reflexões importantes sobre questões da sociedade contemporânea.
Muito lindo isso! Vale a pena ler:
BOJUNGA, Lygia. Tchau, 18ª ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2008.