Hoje os poemas foram extraídos do livro Cantigas por um passarinho à toa, de Manoel de Barros.
“Tudo que os livros me ensinassem
os espinheiros já me ensinaram.
Tudo que nos livros
eu aprendesse
nas fontes eu aprendera.
O saber não vem das fontes?”
“Achava que os passarinhos
são pessoas mais importantes
do que os aviões.
Porque os passarinhos
vêm dos inícios do mundo.
E os aviões são acessórios.”
“O menino contou
que morava nas margens
de uma garça.
Achei que o menino
era descomparado.
Porque as garças
não têm margens.
Mas ele queria ainda
que os lírios o sonhassem.”
Para Manoel de Barros, o fazer poético tem relação direta com a transfiguração da realidade. “O olho vê, a lembrança revê, a imaginação transvê. É preciso transver o mundo”, diz o poeta.
A poesia de Manoel de Barros não é tão simples como pode parecer. Por trás da linguagem coloquial, das expressões do cotidiano, das imagens bucólicas e das construções linguísticas lúdicas, sua escritura poética reserva reflexões de caráter subjetivo, existencial e/ou universal: a vida, as ambições do homem, a incompletude humana, os sonhos… propondo a “desacomodação” do olhar por meio da desconstrução de imagens e do real.
Manoel de Barros dá vida às chamadas (in)significâncias a partir da renovação de elementos do cotidiano, fazendo a transmutação significados, criando palavras, reordenando sentidos e a sintaxe. Esse fazer poético, “desordenador”, intenciona provocar o estranhamento e leva o leitor para longe do lugar comum, para um espaço poético em que passarinhos são mais valiosos que os aviões construídos pelos homens; onde o aprendizado espontâneo e a experiência de vida falam mais alto que todos os livros; e onde um menino se comunica por poesias. Essa atividade libertadora de invenção poética provoca o encantamento característico da obra de Manoel de Barros, elemento que, para o autor, é o fundamento de toda poesia.
Muito lindo isso!
Vale a pena conferir:
Barros, Manoel de. Cantigas por um passarinho à toa. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2018.